Um dos livros mais interessantes a me acompanhar no final de 2019 foi "Plano B", da Sheryl Sandberg. Nele, a autora conta como conseguiu reorganizar sua vida após a trágica morte de seu marido, em uma viagem ao México. Entre contar aos filhos que o pai não retornaria de viagem, aprender a se encontrar em meio ao caos instalado em sua vida, participar de reuniões de trabalho e lidar com todos os sentimentos oriundos das lembranças de seu companheiro, Sheryl parte para uma viagem tendo como companhia pessoas com as mais diversas histórias de perda, recomeço, desolação e resiliência.
Durante a leitura, há inúmeras passagens tocantes. Mas, aqui vou me ater a apenas duas:
Os 3 P’s de Martin Seligman
“Nós plantamos sementes de resiliência na maneira como processamos eventos negativos. Depois de passar décadas estudando como pessoas lidam com adversidades, o psicólogo Martin Seligman descobriu que três P’s (no inglês) podem sabotar a recuperação:
1) (Personalization) Personalização: a crença de que somos falhos;
2) (Pervasiveness) Propagação: a crença de que um evento se espalhará por todas as áreas de nossa vida;
3) (Permanence) Permanência: a crença de que as consequências do evento irão durar para sempre.”
Como seres cientes de si mesmos, é comum nos colocarmos no seio das situações, isolados, egocentricamente acreditando que, por uma certa razão, tudo só atinge a nós. Afinal, tão natural quanto sermos protagonistas de nossa própria vida, é estarmos no âmago de nossas emoções.
Por muito tempo, eu vi a condição de minha filha como um reflexo tangível das amarguras em mim. Era a materialização de meus medos, preconceitos, descasos com a vida. Uma punição por não ter aproveitado as oportunidades de bem-aventurança. Também era o cancelamento de um contrato no qual, como pai, me estariam garantidas todas as alegrias da paternidade, todas as curas para minhas ranhuras. E esse contrato existia apenas em minhas idealizações.
Tal qual a Tristeza, no filme Divertidamente, toca as memórias e as tinge de azul, todos os nuances da minha existência seriam manchados pela carícia da desilusão. De hoje até os dias do sono eterno. Mas aí entra a outra passagem:
Autocompaixão: O ato de ser gentil e compreensivo consigo mesmo.
“Autocompaixão geralmente coexiste com remorso. Isso não quer dizer fugir da responsabilidade pelo nosso passado. É sobre assegurar que não nos maltratemos tanto a ponto de prejudicar nosso futuro.”
Em momentos de tormentas, podemos recorrer aos três P’s de Martin Seligman que falei acima para justificar e até nos mantermos nesse estado de caos, sem demonstrar intenção de sair dele. Seja por acreditar que viver na desordem se tornou parte de quem somos, ou por negar sentimentos que nos colocam em tal situação.
A autocompaixão vem para nos fazer olhar para nós mesmos com ternura. Para poder encarar as estacas com intuito de dar a elas a chance de comunicarem suas origens e razões, ao invés de nos perfurar de forma dilacerante. É um ato de darmos atenção ao nosso interior e nos encontrarmos com quem fomos, com quem somos e com quem queremos ser.
Outro dia minha esposa, durante o café da manhã, em mais um amanhecer irritado, choroso e com crises de Dora, entre uma fatia de pão e um gole de café, tentou nos acalmar. “Isso tudo vai passar”, ela falou a mim e a ela mesma.
Acredito sim que passará, mas como estaremos depois de tudo? Qual o limite da resiliência até se tornar quebrável?
Autocompaixão é sobre isso. Sobre não levantar tais dúvidas, pois o passado e o presente podem parecer arruinados, eu só não posso confiscar de mim mesmo o futuro por conta disso.