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Você é Especial! (Será???)

Você é Especial! (Será???)
Nótlia Zirtaeb
jan. 29 - 12 min de leitura
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Você já parou para refletir sobre o significado de algumas palavras? No que elas realmente representam? Não entendeu? Vou explicar:

Na palavra "evoluir"...o que lhe vem a mente?

Agora a palavra "raro"...pensou?

Imaginou coisas positivas aposto! Espero que sim, se não tudo bem, não tem problema, você já vai entender onde quero chegar (risos)!

No passado se alguém me fizesse essas perguntas acima, provavelmente eu diria:

"Ah!!! Evoluir é muito bom e necessário, estamos em constante evolução, e isso é ótimo, porque é aprendendo com os erros e acertos que evoluímos cada vez mais!

E algo raro! Deve ser tudo de bom! Ser quase que exclusivo! Uma raridade! Jóias raras são as mais valiosas! Um selo, foto, objeto raro são geralmente muito apreciados!"

Estas afirmações podem até serem verdadeiras, mas e se mudarmos a perspectiva um pouquinho? E se o que estiver "evoluindo" for um câncer? E se a "raridade" em questão for uma doença sem cura? Agora já não ficou tão interessante assim não é mesmo!

Pois bem, eis o ponto crítico onde quero chegar! E o mais interessante de tudo, é que eu jamais pensaria ou me importaria com isso num passado não muito distante! Estou falando dos "Rótulos pré-definidos no piloto automático"!

Ainda deve estar confuso (gargalhadas)!

Se fosse um vegetariano, você estaria preocupado com o quilo do bacalhau? Ou se você não é fumante, estaria preocupado com o preço do tabaco? Provavelmente não! E sabe porque? Porque não tem interferência direta em sua vida! E isso é absolutamente normal! Geralmente, você só começa a perceber e se importar quando o assunto em questão afeta diretamente você, por isso hoje resolvi abordar este tema.

Mas voltando a "evolução das raridades"... palavras com significados positivos, bons e aparentemente adequados nem sempre o são! Quer ver:

- Você é uma "guerreira" (quem em sã consciência quer estar em guerra!)

- Você é uma "mãe especial" (e qual mãe não é especial para seu filho!)

- Você é uma "heroína" (comparações com heroínas de história em quadrinhos não agrega, é ficção)

- Eu te "admiro" (hum, admira é?...mas não deseja nem para o pior inimigo uma situação assim!)

Percebe...palavras a princípio "maravilhosas" para serem ditas a alguém, quando vistas sob a perspectiva "deste alguém" elas mudam um pouquinho de sentido! (Lembrando que isso não é uma regra, há pessoas que gostam e sentem-se bem com esses títulos, e tudo bem, sem problemas, pois o objetivo é ser feliz)

Antes de Cecília nascer, eu nunca havia pensado a respeito de rótulos ou títulos, isso não fazia parte da minha vida, mas hoje, depois de cair de paraquedas dentro deste barco, vejo como estamos ligados no piloto automático! 

Curtimos postagens sem muitas vezes realmente gostar, compartilhamos muitas vezes sem ler, reproduzimos frases sem pensar!

Quem nunca disse à uma gestante que ainda não sabe do sexo do bebê a seguinte frase: "não importa se é menino ou menina, o importante é que venha com saúde!"

Agora pergunto, e se não vier com saúde! Não será importante?

Eu sempre dizia esta frase, hoje não mais, a substituí por: "não importa se é menino ou menina, o importante é que trará muito amor à família!".

Percebe que uma sutil mudança engloba todas as possibilidades, positivas e as menos positivas (que todos estamos a mercê)!

Quem me conhece sabe que não gosto desses títulos endeusadores! Pois pare e pense: se este título dado à mim, for única e exclusivamente vinculado ao fato de ter uma filha atípica, logo ele não me pertence, se minha filha não tivesse deficiência, ainda me chamariam assim? Se perguntar a qualquer mãe/pai se estaria disposto a trocar seus títulos pela reversão da condição de seu filho, aposto que antes mesmo de terminar a pergunta a resposta seria "sim"! Então que título mais insignificante é esse, que eu o descarto sem pestanejar?

Minha mãe, sogra, irmã e cunhadas são menos mães só porque seus filhos tem um desenvolvimento normal? Elas não são heroínas, guerreiras, especiais também? Só porque minhas sobrinhas e sobrinhos falam, andam, comem sem ajuda, você acha que eles aprenderam sozinhos ou teve a intervenção da mãe/pai, ensinando, educando, mostrando o certo e o errado, pensando sempre no melhor para seu filho!

Percebe! Todos são merecedores desses adjetivos!

Talvez você esteja pensando: Ah! Mas tem tantas mães e pais que abandonam seus filhos deficientes! 

E eu pergunto: Mas não há também mães e pais que abandonam filhos normais?

Sabe qual é o problema, estamos acostumados a "nivelar por baixo"!

Lembro em uma das consultas com a neuro e sua junta médica de residentes, quando me queixava de não saber o que fazer, de me sentir de mãos atadas, e ela me acalmando disse: "veja, você tem seu marido aqui com você, lhe dando apoio!"

Na hora não entendi, meu marido e eu nos olhamos como se disséssemos: ué! Normal! Somos os pais, fizemos ela juntos, não é mérito dele estar aqui, é obrigação de pai!

Mas todos nivelamos por baixo!

Não é mérito uma mãe/pai cuidar de um filho, é obrigação (não no sentido de ser obrigado, forçado, mas de ser o certo a se fazer, somos responsáveis por este ser)! Lá vai uma "frase pronta do piloto automático": "a criança não pediu para nascer!"

E é isso que quero mostrar...pais atípicos não são especiais, são pais com demandas diferentes!

Em vez de eu sair e levar Cecília para o balé, eu a levo à Terapia Ocupacional, em vez de levá-la para o Vôlei, eu a levo à Fisioterapia! Em vez de comprar um patins, é preciso economizar um pouco, ou melhor, muito mais para a cadeira de rodas...entre tantas outras coisas!

É óbvio que a demanda é mais exigente (locomoção, comida, banho, fraldas, ser seus braços, pernas, tronco, seu corpo que cresce e pesa mais a cada dia dificultando cada vez mais o manuseio), mas nem por isso sou "melhor ou pior", apenas uma mãe/pai zelando pela qualidade e bem estar do filho!

A enxurrada de adjetivos heroicos, endeusadores, especiais, servem apenas como uma maquiagem para deixar mais bonitinha e aceitável a discrepante demanda quando comparada aos demais! Mas é tapar o sol com uma peneira, você até pode achar que está tendo efeito, mas quem está no relento sabe o quanto o sol queima com ou sem "a peneira de adjetivos!"

Quando encontrar uma mãe/pai atípico com seu filho, não há a necessidade de um olhar de pena, ou um pré julgamento de que essa família sofre ou é infeliz.

Conheça, converse, pergunte, algumas famílias talvez ainda não estejam preparadas para este diálogo, mas haverá outras que sim! E é só conhecendo que se aprende a entender, conviver e aceitar!

Uma outra atitude que eu mudei em mim, foi a de não chegar rotulando o grau de dificuldade do outro. Quando encontrar alguém, não inicie uma conversa dizendo: "nossa deve ser difícil sua vida, você deve estar cansada, coitada!"

Isso não agrega, e pode ser que essa pessoa não se sinta assim, mas após um comentário desses passe a se sentir injustiçada pela vida, podendo por abaixo seu emocional!

É possível ser feliz sim, mesmo no meio de tanta demanda, acredito que a única coisa que nos entristece talvez, seja a frustração de perder fases do desenvolvimento que não voltam, e de perceber racionalmente que nossos sonhos e desejos mais simples talvez nunca se concretizem...essa dor acredito que nem o tempo cure!

Então é preciso acionar uma "chavinha reserva" que todos temos escondida lá no fundo do peito, num lugar onde ninguém quer acessar, porque ela é o último recurso para se viver bem! Ela é como se fosse um "reset" de um computador... depois de acionada tudo que programou se apaga! E é preciso recomeçar do zero! O bom é que "ainda podemos recomeçar"!!!

É como aquele texto (que provavelmente toda família atípica já o leu) que relata a viagem que em vez de ir para Itália acabou pousando na Holanda. Ou aquela outra versão que traz como destino a praia, mas a entrada se fecha e você precisa seguir para montanha. 

Estes textos fazem uma analogia perfeita a realidade de famílias atípicas!

Nós pesquisamos, estudamos, economizamos, compramos roupas, calçados, guarda sol, tudo para curtir uma praia! Só que não... somos redirecionados num piscar de olhos às montanhas! Como subir a montanha calçando chinelinho rasteirinha, como suportar o frio com roupas de banho, como escalar sem cordas e equipamentos apropriados?! Entre tantas outras coisas!!!

Então é hora de se desfazer de tudo que adquiriu e se preparou, e reaprender em tempo real, a escalar a montanha sem pausa para descanso, pois não há tempo para isso! 

Será difícil? Com certeza no início sim, pois não temos ideia de onde estamos indo, não nos preparamos ( lembra, estávamos indo para a praia!) Mas aos poucos, vamos aprendendo e vendo que a montanha não é tão ruim assim, tem inúmeros atrativos, há lindas quedas de águas límpidas, as estrelas a noite são mais brilhantes, há vaga-lumes! Quem consegue ver vaga-lumes na praia?!

Só que o problema é que "todos que você conhece, estão na praia".

E por mais que a montanha esteja agradável, com uma fogueira, as estrelas, o nascer do sol, as flores e frutos silvestres, o cheiro do mato umedecido pelo orvalho da noite, o cantarolar dos pássaros... você observa lá de cima o pessoal na praia (igualmente se divertindo, mas de forma diferente), e você deseja estar lá! Mas isso não irá acontecer! 

E para matar a saudades dessas pessoas, será necessário elas subirem à montanha, porque esta via infelizmente não é de mão dupla, não conseguimos ir e vir como todos da praia, temos limitações que ainda precisam ser rompidas.

Então acredito que a frustração (de não poder ouvir um "mamãe", de não saber o que é um abraço apertado, um beijo estalado, da incerteza do futuro quando pensamos no momento que não estaremos mais aqui para protegê-los) sejam a pior parte!

Mas exercitando a empatia de mão dupla, nem isso é uma exclusividade de famílias atípicas, pois todos temos nossas limitações e frustrações, e família ditas "normais" também possuem seu grau de insatisfação e frustração.

Então se olharmos bem lá no fundinho, somos todos tão parecidos! Todos buscamos o melhor, a paz, a harmônia, querendo só o bem à nossas famílias!

Aí está um bom motivo para mudarmos os "comentários do piloto automático", aquelas frases e adjetivos prontos que não agregam em nada, por alguma coisa mais efetiva! Que tal experimentar algo do tipo:

- "Me conta como é sua vida, sua rotina?

- "Adoraria conhecer sua história!"

- "No que posso ajudar?" 

Talvez você se surpreenda, esperando "um mar de lamentações" e se deparando na verdade com "uma festa no parque num dia de sol"!

Quando encontrar famílias atípicas, acredito que acima de tudo o mais importante é exercitar uma empatia "verdadeira", e se não tiver nada para falar que agregue, não fale, apenas dê seu melhor sorriso...isso já basta!

 

Nótlia Zirtaeb


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