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Órtese não é uma simples botinha

Órtese não é uma simples botinha
Franciela Fernandes
jul. 24 - 6 min de leitura
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 Quando soube que meu filho nasceria com o Pé Torto Congênito (PTC), grávida de 20 e poucas semanas, perdi o chão. Já contei sobre o diagnóstico aqui. Naquela época, mesmo pesquisando muito, conversando com outras pessoas e entrando nesse mundo tão desconhecido até então pra mim, eu não cheguei nem perto de prever como seria essa nova realidade na minha vida.

Por mais que uma mãe, pai ou os dois se preparem para receber um filho, com ou sem alguma necessidade especial, nunca estamos preparados. Nunca. Não temos como prever o que vem pela frente, os desafios, os conflitos consigo mesmo, as inseguranças, medos, cansaço, muito menos ter ideia da força que ganhamos. 

Foi no hospital que conheci outras mães e famílias que viviam e vivem histórias parecidas com a minha. Quando estávamos há quase 2 meses indo semanalmente para as trocas de gesso, pudemos, eu e meu marido, vivenciar o maior desafio que enfrentaríamos juntos, como casal, companheiros e cúmplices. Digo cúmplices, porque só nós dois sabemos exatamente o que aconteceu, como aconteceu e o que fizemos para resolver. Estou escrevendo tudo isso para que entendam o que quero dizer com esse texto.

As pessoas têm o hábito de comparar seu problema com o do outro na tentativa de reduzir a dor. Quando contávamos para conhecidos ou mesmo familiares sobre a necessidade do uso de órtese ninguém tinha a menor ideia do que era aquilo até explicarmos dizendo que era uma espécie de ‘botinha’. Foi essa a maneira que nós também encontramos para explicar como era o "dispositivo" que ele usaria nos pés.

Ouvimos palavras de apoio, mas também frases do tipo: ‘é só uma botinha’, ‘olha, uma amiga de uma prima, usou e ficou perfeito’, ‘ainda bem que é só uma botinha’, ‘ah, ele vai usar até os quatro anos? Fiquem tranquilos, vai passar super rápido’, ‘as botinhas são bem confortáveis’, ‘o filho de uma amiga usou e hoje leva uma vida normal, joga futebol’, ‘o filho da amiga da amiga nasceu com os dois pés tortos, depois de 18 anos foi praticar atividade física e voltou ao normal’.

Nem nós sabíamos como seria, eu também achava que era algo muito simples e de fácil adaptação. Não é, não foi e, após mais um ano de uso da órtese, continua não sendo. Mas de extrema importância no resultado do tratamento. 

A órtese usada pelo meu filho chama-se Denis Brown (DB). É uma "bota" de couro, com uma barra de duralumínio que separa um pé do outro, ajustada com angulação de abertura de 70 graus para o pé tratado e 40 graus para o pé não tratado. A distância dessa barra deve ser igual a distância externa dos ombros numa posição de repouso. Por isso, não é simplesmente uma botinha que você coloca no pé da criança e pronto. Existe uma técnica correta para colocar, um posicionamento adequado do calcanhar, uma fivela ajustada para evitar que o pé escorregue e a necessidade de uma meia grossa o suficiente para não machucar a pele do bebê e nem permitir que os pés deslizem. Não é simplesmente uma botinha.

O uso da órtese, nome correto dessa "botinha", é iniciado após a fase de manipulação dos gessos. O tratamento de PTC inclui várias fases: avaliação médica, uso de gessos, órtese por 23h durante três meses e depois por 14h, conforme o caso e orientação do médico ortopedista.

Meu filho usou a órtese por 23 horas durante três meses. Só tirava para tomar banho. Depois passou para às 14 horas e atualmente usa por 11h. Nessa fase de 23h, eu costumava brincar que parecia ‘hora do banho de sol’ para alguém que está em regime fechado. Era a hora da liberdade! De brincar com os pezinhos, tentar colocar os dedinhos na boca e fazer tudo que uma criança normal faz com os pés aos dois meses e meio.

Imagem extraída do site petorto.com.br

Mas por que continuar usando a órtese se o pé já está na posição correta?

Só para terem uma ideia da importância do uso da órtese, a cada ano de tratamento e uso adequado, o percentual de chance de a deformidade voltar é reduzido gradativamente. Por exemplo, uma criança recém-nascida tem 100% de risco de ter uma recidiva, caso não use a órtese após a fase de gessos. Com 1 ano de idade esse risco cai para 80%, com 2 anos passa para 60%, aos 3 anos é 20%, e aos 4 anos esse risco diminui para 10%.

Usar a órtese requer disciplina por parte dos pais. Acredito ser a fase de maior responsabilidade de nós, cuidadores, porque temos consciência de que o resultado positivo no tratamento está em nossas mãos, depende também da nossa força, paciência e disciplina.

Órtese não é uma botinha. Assim como uma cadeira de rodas não é uma bicicleta, ou um aparelho de surdez não é fone de ouvido. É importante a gente olhar para o problema do outro respeitando sua dor, que não é maior ou menor que a do outro, ela é única, é sua e não deve ser comparada.

**Fontes de pesquisa: http://petorto.com.br/ | https://associacaoprimeiropasso

Como foi a adaptação do meu filho com a órtese e como é o nosso dia a dia? Conto para vocês no próximo post.   

 

 


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