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A Rara Doença do Meu Filho

A Rara Doença do Meu Filho
Adriana Rossi
mar. 5 - 13 min de leitura
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Me tornei mãe aos 26 anos. Hoje, aos 39, posso categoricamente dizer que nem de longe imaginava tudo o que viveria na maternidade. Sim, sou uma mãe atípica. Ou como as vezes ouço dizer "uma mãe rara!"

A maternidade atípica pode ocorrer de diversas formas: para a mãe negra com filhos brancos, para a mãe negra de filhos negros (infelizmente o racismo interfere até mesmo na maternidade que deveria ser normal), para a mãe adotiva, a mãe de transgêneros, mãe de homossexuais, mães lésbicas etc.

A maternidade atípica é aquela que foge ao padrão que conhecemos, mãe e filhos sem extraordinárias diferenças entre si e suas crenças, ou sobre as crenças sociais.

Porém, a maternidade rara tem uma característica ímpar! Ela é diversa, adversa e única dentre tantas outras mil.

A minha maternidade se formou na gestação e nascimento de uma criança com deficiência, em razão de uma doença rara chamada Dandy Walker.

Descobri na primeira ultrassonografia com 12 semanas de gravidez , devido a um pré-natal tardio que aguardava o fim das carências do plano de saúde, que meu bebê possuía uma malformação, denominada naquele momento apenas de Meningocelle occiptal.

Eu não sabia ao certo o que isso queria dizer, ou o que poderia ter ocasionado este problema. 

Apenas especulações: seria decorrente a caxumba e pela anemia severa que eu sofri no primeiro trimestre gestacional? seria por consequência dos medicamentos para o fígado que ingeri acreditando que os sintomas da gravidez fossem na verdade uma crise hepática antes de saber que estava grávida?  Ou seria uma questão de ordem genética , alguma herança familiar desconhecida?

Nada confirmado, mas todas as hipóteses poderiam ser verdadeiras.

Quando comentei com meu obstetra que havia passado por um pronto atendimento de emergência devido ao mal estar e que o ginecologista que me atendeu havia me prescrito ácido fólico para a anemia, ele gargalhou dizendo que o ácido fólico era prescrito porque em alguns estudos a malformação do tubo neural era relacionado a carência de ácido fólico e que por essa razão as indústrias farmacêuticas para venderem mais, relacionaram toda e qualquer malformação do feto a carência desta vitamina (também conhecida como B9 ou folato) mas que eu poderia continuar tomando que não me faria mal.

Quando no entanto retornei ao consultório com as imagens e laudo da ultrassonografia, não houve riso, não houve gargalhadas. Ele de imediato abriu um pequeno armário e retirou dezenas de amostras grátis de ácido fólico  e me entregou, receitando que eu tomasse em toda e qualquer bebida que ingerisse. Em seguida me explicou que a tal meningocelle occipital era uma herniação das meninges (tecido que protege o cérebro) por uma fenda existente na região da nuca, ocasionada pelo não fechamento completo do crânio e do tubo neural. Disse-me ainda que isso formara uma bolsa na parte posterior da cabeça (um cisto), e que esta bolsa continha líquor cerebral que poderia ser absorvida pelo organismo do feto durante a gestação ou que seria removida por um pequeno procedimento cirúrgico logo após o nascimento. As sequelas deste possível procedimento, dependeria de ter ou não tecido cerebral nesta "bolsa".

Felizmente não teve!

Meu bebê nasceu de 36 semanas, de parto cesárea, pesando 3785 kg e medindo 48 cm. Foi logo encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI NEO), onde ficou por 4 longos meses até ter alta como paciente de home care.

Nesses 4 meses na UTI, meu filho passou por 4 procedimentos cirúrgicos: primeiro para uma dissecção venosa no braço direito ( é feita através de uma incisão transversa, com extensão de 4cm aproximadamente, na face medial do braço, paralela à prega do cotovelo, onde é implantado um cateter para infusão de soro, sangue, etc); Segundo para remover a meningocelle (aos 12 dias de nascido); O terceiro aos 20 dias de nascido para implantar uma Derivação Ventrículo-peritoneal (DVP) para correção da hidrocefalia;  E o quarto aos 60 dias para trocar a DVP.

Até o nascimento do meu filho tudo o que eu sabia e que ele tinha a malformação chamada meningocelle, ate que veio o segundo diagnóstico: a hidrocefalia.

A hidrocefalia é o acumulo de líquido na cabeça, ou Líquor Cefalorraqueano - (LCR). Esse líquido além de fornecer nutrientes para nosso cérebro serve para faze-lo "flutuar " dentro do crânio, de modo a não sentir os impactos dos nossos movimentos. Todavia, quando em excesso pode causar aumento da  Pressão Intracraniana (PIC). Isto é, a ação da gravidade sobre o cérebro. E isso pode levar a graves lesões e sequelas permanentes, inclusive à morte. Para controle da hidrocefalia, meu filho foi submetido a uma cirurgia para implantação da DVP aos 20 dias de internação. O procedimento no entanto teve que ser repetido quando ele completou 2 meses devido a problemas que causaram desligamento da DVP e levou a um novo acúmulo de LCR em sua cabeça, o que fez aumentar o Perimetro Cefálico (PC) de 42 para 52 cm (um recém nascido em condições típicas possui o PC em media de 36 cm de acordo com a caderneta de vacinação). O grande problema da hidrocefalia no entanto não é a estética de um crânio disforme, mas o aumento da PIC, que pode causar graves lesões cerebrais, comprometer o desenvolvimento e sintomas agressivos como vômitos em jato, cefaleia, vista turva e paralisia total ou parcial do corpo.

Então veio o terceiro diagnóstico: Síndrome de Dandy Walker.

A análise dos exames de imagens (tomografia de crânio e ressonância magnética) identificaram um conjunto de características clinicas no diagnóstico desta patologia, como: o dilatação do quarto ventrículo, ausência do cerebelo e agenesia do corpo caloso. Partes que constituem o Sistema Nervoso Central (SNC) e que afetam diretamente o Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) do indivíduo.

Além disso, o exame de cariótipo, qual faz a anliáse do nosso DNA e identifica alterações no nosso material genético (como a trissomia que é evidência da SÍNDROME DE DOWN, por exemplo) se apresentava normal, bem como o exame de Erros Inatos do Metabolismo (EIM) que identifica distúrbios de natureza genética, também estava normal. Evidenciando portanto, as características da SÍNDROME DE DANDY WALKER.

A Síndrome de Dandy Walker é considerada uma síndrome rara, visto que atinge 1 para 30 mil nascidos vivos, aproximadamente.

Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, uma condição é considerada rara quando acomete ao menos 65 indivíduos num universo de 100 mil. Isto quer dizer uma estimativa de 1.3 pessoas para cada 2 mil. Existem no mundo de 6 a 8 mil doenças raras descritas.

No Brasil existem cerca de 13 milhões de pessoas com alguma doença rara, de acordo com o Ministério da Saúde. O que equivale ao Estado de São Paulo (que possui 12 milhões de habitantes).

Ainda não se sabe a causa exata da Dandy Walker. Alguns estudos apontam a carência de ácido fólico como característica predominante, contudo não se sabe se este é um fator determinante, visto que existe relatos de casais que fizeram planejamento familiar e mesmo assim conceberam filhos com Dandy Walker. Há também estudos que mencionam uma alteração de natureza cromossômica, todavia esta mesma alteração pode gerar outras infinidades de patologias que igualmente afetam o SNC. Além disso, fatores ambientais e etnológicos também são descritos na literatura.

Por enquanto a única certeza é que enquanto doença rara, muito há que se investir em pesquisas científicas para chegar a real causa e só assim poder preveni-la.

Enfim, veio o quarto diagnóstico: A epilepsia.

A epilepsia é a ocorrência de crises epiléticas (convulsões) de forma constante, isto é, em vários momentos diferentes com intervalos irregulares de tempo. A convulsão no entanto, é uma desordem na atividade cerebral, um aumento excessivo de atividade das células nervosas, o que causa um colapso no sistema nervoso da pessoa, levando a perda de consciência, espasmos musculares, movimentos involuntários dos membros etc. Um quadro epilético pode ser diagnosticado por meio de Eletroencefalograma (EEG)que é o exame que identifica a atividade cerebral.

Deste modo, as investigações por meio de exames e dos sintomas, fechou o diagnóstico final que chamamos de patologia de base, que é a Síndrome de Dandy Walker. Para alguns autores também denominada malformação de Dandy Walker, ou Complexo de Dandy Walker. Ela pode ocorrer de forma "clássica" (a forma mais grave da doença)  ou as "variantes" (com sintomas e sequelas mais sutis).

Geralmente quem é diagnosticado com Dandy Walker pode conter comorbidades como consequência da patologia, quais: nefropatia, bexiga neurogênica, cardiopatia, polidactilia, hidrocefalia, epilepsia, baixa visão e/ou visão de sol poente, autismo, hipotonia, disfagia, baixa audição e características físicas como assimetria dos olhos e orelhas, apneia central, entre outros.

O desenvolvimento das pessoas acometidas por essa patologia pode ir de um "quase normal" para um totalmente dependente.

No caso do meu filho, apesar de apresentar a Dandy Walker em sua forma clássica, ele felizmente não teve outras comorbidades mais severas que atingisse outros órgãos (cardiopatia, nefropatia etc) mas foi gravemente acometido por uma hidrocefalia e por uma epilepsia refratária., além de possuir um elevado atraso mental, além de não andar, não falar e não sustentar o tronco ou a cabeça.

Hoje, aos 12 anos, meu filho tem um longo histórico cirúrgico devido as trocas de DVP e de infecções que sofreu no SNC (em torno de 50 cirurgias). Aos 2 anos e meio passou a se alimentar por sonda de gastrostomia (GTT) , aos 3 anos passou a respirar por ventilação mecânica com traqueostomia (TQT) e desde que saiu do hospital aos 4 meses é paciente de home care, onde recebe todo equipamento de suporte vital, atendimento médico e terapêutico em casa.

Sim, temos uma pequena UTI instalada em nosso lar!

As idas e vindas ao hospital são constantes, os primeiros 7 anos foram mais dentro da UTI que em casa. Desde a ultima cirurgia fazem 5 anos que não internamos mais.

Anjo, como carinhosamente o chamamos, apesar da doença que poucos médicos conhecem e das mais de 50 cirurgias pelas quais passou, as 12 pneumonias, as crises epiléticas e todas as demais mazelas que toda criança enfrenta durante seu crescimento como troca de dentes e viroses, é um menino que superou todas as expectativas ,que desafia dia a dia a ciência e todos prognósticos a ele já previsto. É alegre, sorridente, gosta de desenhos, de passear de carrinho, se movimenta muito e estuda o sétimo ano do ensino fundamental por meio da educação inclusiva, qual também tem atendimento domiciliar da professora da escola municipal.

Um menino que era pra viver dias e viveu meses, que era pra viver 2 anos e viveu 12, que não deveria chegar a adolescência e que esta esbanjando saúde mesmo em meio a uma pandemia.

O fato é que apesar das estatísticas não serem lá favoráveis, temos que nos apegar com todas as forças ao possível, ao que temos disponível e usufruir da melhor forma que conseguirmos.

Estudar com afinco o universo novo que nos foi dado, aprender com todos a nossa volta e praticar a paciência e a aceitação. E quando digo aceitação não me refiro ao conformismo mas sim ao acolhimento e ao amor incondicional.

Aos pais de primeira viagem nesse barco de incertezas, desejo fé, coragem e perseverança. Nem sempre as respostas serão as que vocês gostarão de ouvir, nem sempre os apelos serão atendidos, mas sempre que ofertarem amor, este fará toda a diferença na vida de vocês e dos seus filhos.

Não temam pedir ajuda.  Livrem-se da culpa, não existe manual de como ser bons pais atípicos. Sejam fortes mas sejam humanos! Super heróis não existem. Se permitam chorar e ter medo as vezes, o medo faz parte da prudência, mas não se deixem intimidar.

Seja raro, como o seu filho. Seja único pra ele, como ele será para você.

 

obs: os termos técnicos e referências utilizados neste texto são de pesquisas pessoais e da experiência adquirida ao longo dos anos de tratamento do meu filho. Não deve servir como diagnóstico e nem substituir a avaliação médica.

 

 

 

 

 

 


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