Quando iniciamos o tratamento de Pé Torto Congênito (PTC) do meu filho, ele só tinha 15 dias de vida e meu maior receio era retornar ao trabalho e não conseguir acompanhar as fases mais desafiadoras do tratamento: as trocas semanais de gessos, a cirurgia (Tenotomia) e o início do uso da órtese. Me recordo sempre com certo aperto no peito dessa época. Foi uma corrida contra o tempo, comum para mães em licença-maternidade, ainda mais difícil quando você tem um filho que necessita de cuidados especiais. Tudo o que você quer é ficar mais e mais tempo com seu filho.
Fiquei em casa durante o período de licença-maternidade e tive mais 30 dias de férias. Ou seja, foram cinco meses para me transformar em mãe, ser forte o suficiente para enfrentar idas e vindas ao hospital e aprender a lidar com um bebê e sua perna engessada. Depois, o uso da órtese por 23 horas, manter a calma e a serenidade, além de acreditar que o tempo se tornaria meu amigo, foram os próximos desafios.
Tudo o que eu mais queria naquele momento era poder enfrentar esse aprendizado que a vida nos colocou sem traumas e, quando retornasse ao trabalho, já ter superado as etapas mais difíceis.
Uma semana antes de voltar ao trabalho, meu filho passou a usar a órtese por 14 horas. A rotina de colocação da órtese já estava estabelecida, mas o desafio só começava. Todos os dias eram difíceis. Sono interrompido durante a noite, choro incontrolável, incômodo por não conseguir se movimentar direito com a órtese. E mesmo quando ele estava sem a órtese, eu me dedicava aos exercícios diários de estímulo para que ganhasse força nas pernas, nos pés e conseguisse, aos poucos, ganhar equilíbrio.
Na época, cheguei a perguntar para os médicos se o tratamento traria algum trauma ao meu filho ou mesmo influenciaria em sua personalidade. Não. Não existe estudo sobre isso, apesar da minha intuição como mãe dizer o contrário.
Eu quis trocar de lugar com ele. Qual mãe não quer, em algum momento do tratamento do seu filho, estar no lugar dele? Eu queria sentir exatamente o que ele sentia usando algo tão pesado para pés tão pequenos e frágeis.
Um dia, conversando com uma psicóloga, ela disse que eu deveria agradecer por existir a órtese, por ser um caso em que é possível usar um dispositivo para correção. E quando não existe algo que se use para corrigir uma deformidade? É verdade, ela tinha razão. Agradeço todos os dias pela órtese, pelo tratamento, pela médica que o acompanha, pela capacidade de aprender com todas as fases que passamos, mas sou humana e não escondo o que sinto. O fato de existir uma órtese e ela ser usada adequadamente não elimina minha dor no peito na hora de colocá-la todos os dias.
Com o tempo, fui criando maneiras de distraí-lo na hora de colocar. Ouvimos música, canto os temas do Show da Luna e da Galinha Pintadinha, faço brincadeiras, mímicas, converso, vale tudo nessa hora. Até chorar junto com ele. Não foi fácil lá atrás e nem é hoje após um ano e seis meses. Em cada fase há um sentimento diferente, um desafio novo.
No começo, com poucos meses de vida, o desafio era controlar o choro, fazer exercícios para ganhar força. Depois, mantê-lo em uma posição que permitisse a colocação da órtese. Mais adiante, explicar a importância da órtese. Hoje, evitar que ele fique em pé com o dispositivo ou mesmo queira sair andando. Mais fases e mais sentimentos.
Moro no 11º andar de um prédio e lembro sem culpa de sentir vontade de arremessar a órtese pela janela. Ou colocar fogo como o Jimi Hendrix fazia com a sua guitarra ao terminar um show. Seria um alívio tão grande!
O que quero dizer é que quando nós, mães, aceitamos a condição do filho também permitimos que o filho aceite sua própria condição. Eu aceitei, meu filho aceitou. Hoje, pra mim, a órtese é uma órtese. Não a vejo como uma ‘amiguinha’, nem inimiga. Qual o problema em sentir isso? Nenhum. Estamos fazendo o melhor que podemos por ele. E aceitar que tenho esses sentimentos humanos é um alívio.
Meu filho vai usar a órtese até os quatro anos de idade. Hoje faz parte da rotina tanto para ele como pra mim. No futuro, ele não lembrará dessa fase, mas nós, pais, jamais vamos esquecer desse aprendizado diário nem dos sentimentos que envolveram e envolvem todo este processo.
Avante, pessoal. Força e dias melhores para todos nós!