Sair de casa com criança é preciso sempre uma grande logística. Viajar então é quase uma mudança de casa e a situação piora quando sua criança requer algum cuidado especial ou possui alguma limitação de horário para viagens por conta do uso da órtese ou alguma medicação. Hoje decidi falar a respeito de um assunto sobre o qual pensei muito durante os dias em que eu, meu marido e meu filho estivemos de férias no litoral de São Paulo.
Como já contei aqui em vários posts, meu filho faz tratamento para o Pé Torto Congênito (PTC) porque nasceu com a deformidade no pé esquerdo. Desde os 15 dias de vida faz tratamento pelo Método Ponseti e hoje, com 1 ano e 10 meses, é uma criança ativa. Anda, corre, sobe e desce em obstáculos e é muito carismático.
Porém, essa atividade toda tem horário determinado. Por causa do uso da órtese para dormir, ele fica das 7h às 20h com os pezinhos livres e, depois desse horário, colocamos a órtese. Isso significa que a partir das 20h as brincadeiras precisam ser repensadas, adaptadas, para evitar que ele fique em pé com o dispositivo e acabe quebrando a barra de sustentação ou mesmo se machuque em algum movimento de quadril ou joelho.
Todos os dias, independentemente de onde estivermos, no mesmo horário, precisamos colocar a órtese nele. Já aconteceu muitas vezes de ele estar brincando, ainda ligado no 220v, e eu ter de ‘parar’ a brincadeira para colocar a órtese. Nessa hora, me sinto aquela mãe "chata", desmancha prazeres, apesar de estar aprendendo a lidar com esses sentimentos e os desafios do tratamento. Agora não chamo mais de chatice, chamo de disciplina!
Passamos o Ano Novo na praia, vimos os fogos de artifício pela janela e tivemos convites de amigos para ver a festa com o pé na areia, mas recusamos por várias razões. Uma delas foi a combinação de órtese e areia (nada viável!). Outra foi o olhar das pessoas quando veem uma criança com órtese, cadeira de rodas, muletas ou qualquer tipo de dispositivo que ‘aparentemente’ defina sua deficiência. Os olhares são, na maioria das vezes, de dó. Infelizmente, existe muito preconceito e, em algumas ocasiões, explicar os motivos do uso do dispositivo pode causar desconforto aos pais ou cuidadores. Não acham?
Outra limitação de ir ver os fogos com pés na areia foi o horário. Normalmente, escolhemos passeios durante o dia, quando o Martim está com os pezinhos livres. Quando recebemos convites para programas após às 20h, analisamos sempre os prós e os contras porque qualquer mudança no horário de colocação da órtese implica em reposição do tempo no dia seguinte.
O difícil não é repor as horas no dia seguinte. O mais desafiador é fazer com que meu filho permaneça quieto com a órtese por mais tempo após às 7h, quando está acordado e muito ativo. Ele já entende que ao acordar é hora de tirar, quer sair correndo e pisar no chão, de preferência descalço, sem qualquer ‘impedimento’.
Explicar tudo isso a um amigo, parente ou qualquer pessoa numa viagem ou passeio não é tão simples. Alguns entendem, outros não. Alguns sugerem a reposição das horas como algo simples e super prático, outros consideram chatice nossa mesmo. ‘Ah, depois vocês compensam’, ‘Uma noite só não vai mudar nada no pé dele’ ou ‘vocês estão impedindo ele de curtir isso ou aquilo’. Não! Estamos adaptando os horários, os passeios e as brincadeiras ao contexto dele, para ele e em benefício dele.
Parece pouco tempo usar uma órtese por 11 horas diárias, mas não é. Repito: requer muita disciplina, especialmente quando se está fora de casa ou em ocasiões de viagens.
Outra situação de cortar o coração é ver meu filho com outras crianças que não usam órtese e estão correndo, pulando e ele ter de ficar sentado apenas olhando aquela atividade toda. É claro que ele quer fazer igual. Na cabecinha dele não existe nada que o impeça de fazer também. E não existe mesmo! Ele pode fazer tudo. Porém, durante as 11 horas diárias, é preciso adaptar as brincadeiras para ele ser envolvido, incluído e possa interagir com as crianças, mesmo usando uma órtese.
Isso ainda não acontece com frequência porque não é toda criança que quer brincar ou interagir com outra que possui alguma deficiência e/ou limitação. Elas estranham o aparelho ou dispositivo de correção em seu corpo, alguns sons e atitudes no caso de crianças com deficiência intelectual, por exemplo.
Finalizo meu texto com a esperança de que cada vez mais os pais e os cuidadores ensinem os filhos sobre diversidade, respeito, inclusão. Quando pequenos aprendemos princípios e valores e está nas nossas mãos construir um mundo mais inclusivo, humano, menos cruel.
Martim caminha pela praia (sem a órtese)