Hoje pretendo expor e falar um pouco sobre a difícil carga emocional que mães e pais, especialmente os de UTI Neonatal, carregam na preparação e no nascimento de um filho.
Culturalmente, parece que o nascimento de um bebê é sinônimo de alegria plena e de extrema felicidade. Porém, para muitos pais, o período da gestação e do puerpério podem ser motivos de muita angústia, de ansiedade, de medo, de desespero, de dúvidas, de tristeza e de muita culpa. Afinal de contas, um filho exige muitas adaptações, mudanças e transformações do casal enquanto pessoas individuais e, enquanto duas pessoas que estão unidas diante de uma relação afetiva. E como todos nós somos seres humanos, mudanças `radicais’ e/ou profundas podem significar, sim, estresse para os envolvidos.
É lógico que aqui temos que considerar que os níveis de estresse podem variar de acordo com a situação enfrentada, mas o que desejo afirmar nesse post é que acredito que em todos os casais exista uma carga emocional durante a trajetória para o nascimento de um filho.
Portanto, todos os sentimentos pontuados acima podem estar presentes em qualquer casal que esteja vivenciando uma gestação, mesmo que ainda exista um ‘ tabu’ social e familiar em não dialogar sobre o significado e ‘efeitos’ de todos esses sentimentos na vida cotidiana dos futuros mãe e pai.
Porém, para um casal que aguarda um nascimento de uma criança de alto risco, com certeza, sentirá todos esses sentimentos, com uma sensação mais aguçada. E ao lembrar da minha experiência de internação como gestante de alto risco, parece que todas essas difíceis sensações não fizeram marcas profundas, apenas, em minha alma e em meu coração. Fizeram marcas também em minhas ‘entranhas’. Hoje tenho certeza de que uma situação de altíssimo estresse e que requer resiliência a todo instante faz, sim, marcas existências e por isso há uma inter-relação diária e contínua entre o que se passa em nossas mentes, em nossos corações e em nossas vísceras. É como se todo o nosso corpo respondesse a tamanha angústia e desespero.
Sabemos que as mulheres, culturalmente e diante de um maior número de pesquisas -principalmente sobre a depressão pós parto feminina, alterações hormonais, transformações corporais, instabilidades emocionais- são mais acolhidas diante dos choros, da exaustão física, da irritabilidade, da ansiedade e das angústias que podem surgir em uma gestação e/ou no período de puerpério. De acordo com o Ministério da Saúde, por exemplo, cerca de 40% das mulheres desenvolvem depressão pós parto. E a preocupação em acompanhar uma gestante aumenta ainda mais, caso ela tenha antecedentes familiares e/ou individuais de sofrimento psíquico, já que tem uma vulnerabilidade maior para desenvolver um quadro mais grave de depressão pós parto.
E as gestantes de alto risco e que ficam internadas tendem a receber apoio psicológico ‘obrigatório’- infelizmente ainda há uma escassez desse tipo de suporte em nosso país- para iniciarem o processo de elaboração e de compreensão sobre o que significa não vivenciar uma gestação ‘normal’, o que significa ter uma gestação muito diferente da que foi idealizada e o que significa ter um filho prematuro extremo, que poderá ficar meses em uma UTI Neonatal, ou que não sobreviverá. Afinal de contas, todo esse quadro, composto por doloridas sensações, corrobora para o aparecimento de diversos transtornos psíquicos, entre eles, a depressão, o transtorno de ansiedade, transtorno do pânico e traumas pós-traumático.
Eu mesma fui acolhida durante a minha internação por uma equipe multidisciplinar - psicólogas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas- ,com o objetivo de promover, ao máximo, o meu bem estar. E eu me lembro que era só a psicóloga chegar em meu quarto que eu chorava, chorava, chorava litros de lágrimas... Mas eu conseguia perceber o quanto aquele momento de escuta e de acolhida profissional era destinado para a minha elaboração sobre o meu estado de luto por não estar passando por uma gestação tranquila, o meu estado de angústia, ansiedade e de completo medo/desespero. Desespero de morrer e de perder a minha bebê.
E, juntamente, com esse trabalho terapêutico, desde o meu primeiro dia de internação, fui medicada para conseguir vivenciar com um mínimo de calma toda aquela situação traumática. Portanto, estava sendo acolhida e fortalecida diante de sessões terapêuticas e da ajuda medicamentosa. Além, de contar, graças a deus, com um obstetra extremamente humano, afetivo e presente em todos os momentos- mas depois quero escrever um post só para discutir a extrema importância da relação afetiva entre gestante/gestante de alto risco e o seu obstetra e, como essa relação faz diferença significativa na saúde mental de uma futura mãe-
Voltando para o nosso tema, gostaria de expor as seguintes questões: e o marido dessa gestante de alto risco? E o pai dessa futura criança prematura extrema? E o homem que também passa por uma gestação e por profundas transformações afetivas? E o homem que precisa revezar as suas horas entre casa- hospital- trabalho? E o futuro pai que chora sozinho no carro, no banheiro para que ninguém veja o seu extremo sofrimento? E o marido que tem que colocar um sorriso na face quando vai ao encontro de sua mulher internada/acamada, para que ele não passe ainda mais preocupação para ela? E o homem- ‘chefe de família’ que precisa continuar com um bom desempenho no trabalho, pois as futuras despesas hospitalares dependerá de seu salário, já que a licença maternidade brasileira em muitos locais ainda seja de 4 meses, como eu mesma vivenciei? E o ser humano- homem que não dialoga todas essas sensações difíceis/doloridas com os seus familiares, por não querer se demonstrar ‘fraco’?
Quem, portanto, acolhe esse homem, esse marido e futuro pai? Quem dialoga com ele sobre as mudanças sociais, afetivas, espirituais e, até mesmo, físicas que ele está vivenciando? Temo a afirmar, mas diante de minha experiência, a minha resposta é: quase ninguém e, em vários momentos, ninguém. Literalmente, é um homem que lida, sozinho, com suas dores, medos, transformações e angústias existenciais.
E para o entendimento dessa triste e angustiante resposta encontramos embasamentos sociais, científicos e técnicos. Sociais... não precisamos de muito falatório, não é mesmo? Vivemos em uma sociedade, ainda, machista e com valores que giram em torno da superioridade masculina. Científicos... existem poucas pesquisas que abordam o sofrimento psíquico masculino após o nascimento de um filho, por exemplo, a depressão pós parto masculina. E verifica-se um número ainda menor que relate o início de diferentes transtornos, como o de ansiedade, antes mesmo do nascimento do bebê, frente a vivências estressantes, como uma gestação de alto risco, infertilidade, perda do emprego, entre outros. E técnicos... as equipes multidisciplinares/interdisciplinares nos hospitais, nas maternidades, nas unidades básicas de saúde, por exemplo, concentram as suas ações terapêuticas na gestante e no bebê que ainda está no ventre materno. O pai, frequentemente, apenas recebe as noticiais e os relatos técnicos sobre a saúde de sua mulher e de seu futuro filho.
Marcel, meu marido e pai de Maitê Maria, ficou os 30 dias de minha internação chorando, muitas vezes, sozinho e escondido. Não conseguia dormir durante as noites. O seu rendimento no trabalho foi muito alterado. Uma tristeza e uma ansiedade profunda tomaram conta de seu coração e de sua alma. E ele não teve nenhum acolhimento profissional durante todo o meu período de internação e, portanto, antes de Maitê Maria nascer, nenhum! Nem terapêutico e nem medicamentoso. A equipe apenas o informava sobre o meu estado e sobre o estado de nossa bebê em meu ventre.
E como todos acham que é ‘normal’ e ‘esperado’, por exemplo, uma tristeza, uma ansiedade e uma apatia em pais de UTI Neonatal e que passarão por uma longa permanência, passa-se despercebido o sofrimento masculino. Até por conta de todos aqueles fatores que relatei acima, somados com a extrema exaustão física e emocional de uma mãe de UTI. Afirmo e sem nenhuma culpa que chegava em casa , após ter passado em média 15 horas na UTI, tomava os meus remédios, chorava um pouco, tirava o leite com a máquina e não tinha condições para acolher mais nada e ninguém, nem mesmo o meu marido.
Porém, mesmo diante de todo esse contexto, quem identificou um quadro de sofrimento psíquico em meu marido, fui eu mesma, diante de uma crise extrema de ansiedade em uma das madrugadas em nossa casa. Os sinais eram dores fortes no peito, batimentos cardíacos acelerados, dificuldade para respirar e um desespero muito grande. Sinais que podiam ser confundidos com cardíacos, mas, talvez, por ser terapeuta ocupacional, sabia que estava tendo uma crise de ansiedade. Em plena madrugada entrei em contato com a equipe e pedi ajuda. No entanto, se ele tivesse sido acompanhado desde o inicio de seu sofrimento, assim, como acontece com muitas mulheres em situação de risco, poderíamos ter evitado muitas ocorrências.
Portanto, esse post com o meu relato de vida, tem como objetivo majoritário alertar a sociedade, as famílias, as mulheres e as equipes de saúde o quanto os homens também precisam ser acolhidos e acompanhados em toda a sua totalidade. Homens também passam por uma gestação e pelo período de puerpério. Homens também passam por transformações e alterações emocionais diante de uma gestação e do nascimento de um filho, especialmente, os que acompanham uma gestação de alto risco e uma longa permanência em UTI Neonatal. Homens também choram, também sofrem, também se angustiam e podem, sim, ter um quadro de depressão pós parto e que pode perdurar por um longo período. Homens e mulheres são seres humanos e que possuem, ambos, as suas essências, marcas existenciais e dores afetivas. Marcas e dores que devem ser acompanhadas e acolhidas acima de qualquer valor ou norma social ainda presente em nosso cotidiano e em nossas relações.
E para maiores informações sobre onde procurar ajuda diante de um quadro de sofrimento psíquico, feminino ou masculino, anexo, um link do post de uma das colaboradoras do espaço Rede Humaniza Sus http://www.redehumanizasus.net/91375-apoio-a-saude-mental-de-gestantes-e-puerperas-
Até o próximo post, um abraço, com afeto, Tetê e Maitê Maria