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O Autismo, Transporte Caótico e as Pessoas

O Autismo, Transporte  Caótico e as Pessoas
Jacson Marçal
mai. 6 - 11 min de leitura
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Gostaria de deixar aqui meu depoimento de hoje, desde já peço desculpas caso venha ofender alguém, visto que essa posição crítica é pessoal, quem sou eu para julgar a necessidade ou não necessidade de qualquer um.

Estava eu após uma sessão de conversa com a Meire Psicopedagoga, mais elegante, intrigante e coesa que conheci na vida, mais relaxado após um longo bate-papo, resolvi deixar o carro com a minha noiva, logo de antemão não estou querendo desmerecer quem anda de Ônibus, fazia exatos 10 anos que não pegava um transporte coletivo público em Goiânia, já na espera na T7 notei que mesmo no horário de almoço o tão esperado transporte demorou exatos 7 minutos, um tempo aceitável visto que antes de chegar ao local de partida teria acabado de passar um ônibus, esperei educadamente, pela ordem sensata os mais velhos entrarem, já observei o espanto parecendo que eu estaria mesmo entrando em um universo totalmente diferente mas não tão irrelevante quanto antes, após entrar já saberia das dificuldade pois estava sem o Passe obrigatório, mesmo sendo obrigatório o passe que não seria nada fácil de encontrar, é não o encontrei nas proximidades, então fiquei acuado, na entrada do ônibus sem saber o valor, sem saber se poderia pagar para alguém, nesse intervalo os 32° de temperatura de Goiânia estavam marcando uma sensação térmica de 38°de temperatura, sem dúvidas que chamas brotavam da parte frontal daquele veículo, da mesma forma de antes, percebi que nada havia mudado a princípio, não estava desistindo ou sem esperança, então supri minhas dificuldades e tentei brevemente perguntar ao senhor que estava em minha frente da catraca, Olá Tudo bem ? o mesmo com olhar de espanto me respondeu:

 "Oi…" Perguntei, O senhor poderia me informar como faço para passar ao outro lado do ônibus, desobstruindo a passagem para que novas pessoas possam passar? Com o tom irônico ele disse, "Rapaz se quiser é só passar", comecei a perceber que não apenas os ônibus, o transporte, mas as pessoas estavam apresentando defeitos sérios. 

O tempo passava e o ônibus que foi rápido em sua chegada se tornava lento em suas paradas, sufocado e quase sem ar sussurrei próximo ao motorista, como faço para passar Sr. Motorista:

 "Olha jovem é só me passar a grana aí que eu te libero", que maravilha eu disse. após entregar uma nota de R$ 20,00 o motorista aparentemente me olhou com um certo desprezo, eu logo entendi e lhe acalmei dizendo, desculpe Sr. tem muito tempo que não ando de ônibus, não sei o valor atual da passagem e só tenho essa nota menor, o motorista então, freou o ônibus, e com truculência falou:

 "Tome seu troco e passe logo seu despreparado", respirei fundo, não o encarei e logo consegui passar, ao entrar no ônibus não havia nenhuma informação de valor da passagem, instruções de pagamento ou direcionamento de valores exatos para pagamento, diferente de anos anterior onde o serviço não se diferenciava muito do atual porém existia mais informação.

Aqueles 7 minutos de espera estavam se transformando em 30 minutos de paradas para um percurso de 12 quadras, exatos 8KM, estaria eu vivenciando o colapso do transporte público Goiano? queria eu não acreditar, logo passei para o outro lado, um pouco mais apertado que antes porém com dever principal cumprido, de pagar pelo serviço que havia escolhido, esse dia em conjunto com meu possível quadro autista, ainda não definido?

Com meus fones reprimindo o máximo de ruído possível (devido ao Autismo), coloquei as singelas notas de Mozart para tentar me transportarem daquele universo em que vivia para uma supra realidade mais contundente e aceitável, mesmo assim não conseguia parar de observar, visto que mesmo com os 85% da adição direcionada me sobravam uma mera porcentagem irrefutável, logo após a 5° parada, faltando exatos 2KM para chegada no Terminal bandeiras na 6° parada um aglomerado de adolescentes se apresentaram na entrada do ônibus, conseguia sentir a um quilômetro de distância os hormônios, no seu mais alto nível da prevalência humana, logo no início notei que nenhum jovem mostrava a carteira de passe ao motorista, processo esse legal visto que o mesmo precisaria de identificação para liberar (Sim em pleno século 21 não fizeram nada biométrico ou facial para isso), os jovens sem lucidez aumentavam o tom de agitação, sem nenhuma necessidade, como macacos em um circo, todos chegavam na catraca e pediam então a liberação ao motorista, comecei a perceber que não só o transporte público estava em colapso mas a própria humanidade, andando em contra mão do mais óbvio e simplório processo para quem possuía o passe estudantil, após cansativos 4 minutos, com alguns jovens dependurados pela porta o motorista sem nenhuma lucidez começou a acelerar, com a porta aberta, tentando, acredito eu reduzir todo tempo perdido com sua atividade dupla, sem foco e ríspido, naquele momento não conseguia mais criar um ponto crítico de defesa para nenhum dos lados apenas observar o caos formado, após 4 metros o motorista conseguiu fechar a porta com uma adolescente ainda com a metade do corpo do lado de fora, aquilo me intrigou, como poderia tal atitude ser de extrema responsabilidade racional humana? então um passageiro do fundo gritou:

"Vamos embora logo motorista a fazenda já está cheia de bois e galinhas", deturpado com tal comentário me restringi aos mais fundos e sóbrios lagos internos emocionais para tentar comparar atual situação com a mera ilustração do passageiro.

Faltando apenas 1KM para chegar ao terminal comecei a observar a postura, atitudes, falácias e reações dos passageiro, mesmo não entendendo a colocação do passageiro em comparar Bois e Galinhas, acreditará eu que isso seria apenas uma forma boçal reativa humana de um humor aclamado pela plateia do fundo daquele ônibus. logo do meu lado as conversas me pareciam totalmente irracionais, uma adolescente conversava com amiga sobre a preocupação de uma atitude irresponsável de uma filha em uma novela, outra senhora falava sobre política, no início pensei, agora sim sairá algo plausível, sensato de diálogo, porém para o meu não espanto era sobre um fake news que falava que Bolsonaro teria aprovado o projeto transporte de valor único, não quis entrar em detalhes mais logo comecei a imaginar ICMS único, deixei de lado, observei dois adolescentes, homens, falando sobre a importância de um YouTuber que passou por vários transtornos psiquiátricos, servindo de exemplo para suas futuras carreiras, parei, respirei é já me encontrava no terminal bandeiras.

Logo, sem nenhuma informação no terminal fui pela lógica, achei um painel, no centro do terminal, estipulei o terminal mais próximo de minha casa e verifiquei que precisaria pegar outro ônibus, 932 na plataforma A, logo no início percebi que não existia organização numeral apenas de estação A, B,C… Então após uma breve busca, me situei na plataforma e ponto que me levaria ao meu destino. Por um breve momento, comecei a acreditar que o transporte público e a humanidade estariam juntos , em paz, em sensatez, observei uma fila, agraciado por não existir nenhuma faixa ou delimitação, estava assustado, como que tudo aquilo poderia então se tornar realidade, me juntei a fila, após a chegada do ônibus um tumulto se formou, visto que o ônibus chegava cheio e parava no mesmo local de embarque, acabando com toda forma de controle e processo, pessoas desciam enquanto pessoas subiam, um simples embarque que seria de 1 minutos estava se alongando por mais de 3 minutos, e o pior a humanidade não estava em seu pleno momento lucido, visto que dentro do ônibus ainda tinha um jovem cadeirante, o motorista, muito nervoso chegou resmungando:

"Nossa estou cansando de cadeirantes" por um breve momento percebi que ele estava fazendo todo processo sem travar a cadeira para segurança do cadeirante, eu sem exitar avisei, é o mesmo ríspido, com ódio no olhar me retrucou:

 "O que está fazendo aqui ?"

"Por que não subiu ainda rapaz?"

respirei fundo e disse, mesmo eu sendo deficiente visual não utilizo de meus benefícios em pleno direito pois sei que existem pessoas que precisam e estão em maior carência que a minha, sendo assim, sou além de deficiente um humano e prezo pelo respeito da preferência, estou esperando o Sr. terminar seu serviço e tentando lhe ajudar a não machucar esse jovem para que então, após seu desembarque, possa entrar no ônibus, ele me olhou de cima pra baixo e resmungou:

 "Eu também queria ter tempo para desembarcar os passageiros antes mas preciso cumprir essas normas erradas da empresa", então eu o respondi, Suas escolhas te fazem corresponsável por tudo que destrói e salva, fale com seu gestor, fale com as pessoas, o motorista completou seu serviço com um singelo sorriso e disse:

 "Agora pode entrar senhor", senti que o tom não fora uma afronta mais um mero gesto de agradecimento pelas minhas palavras no seu mundo conturbado.

Antes de entrar no ônibus percebi que a disputa, briga e puxões que se formavam no interior do ônibus, decidi que ao entrar naquele ônibus não seria o mesmo do mesmo e seguros meus 20 minutos restantes de viagem em pé, o ônibus começou a se esvaziar, ao passar do tempo surgiram 2 vagas logo a minha frente, então percebi uma jovem cansada que se encontrava do meu lado, com muito cuidado e educação disse, Moça, pode sentar, ela olhou pra mim e me perguntou:

"O que você disse ?" Eu disse pode sentar, com breve sorriso nos olhos ela logo pegou sua bolsa é sentou, senti que aquilo não parecia normal, me virei para o outro lado é novamente um novo passageiro estava de descida, dessa vez em meu teste resolvi apenas não sentar, e infelizmente pelo medo das pessoas observei que ninguém se comunicava, ninguém reagia, mais uma vez ofereci o lugar agora para um Sr. que agradeceu, seria o universo do transporte público o grande é maior defeito de todo o desgastes da desumanização das pessoas ? ou as pessoas desumanizadas retardando todo o sistema?

Uma coisa tirei por conclusão após os 20 minutos do último terminal até às proximidades de minha residência, as pessoas não só aceitam o processo caótico do transporte público como contribuem infimamente para sua melhora, que o nível mínimo de respeito se desfez pela culpa fácil de um transporte precário, sem obedecer regras simplórias de convívio humano e corresponsabilidade.

Autista Jacson Marçal @jacsonfier nas redes.


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