Mundo Adaptado
Mundo Adaptado
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
VOLTAR

A primeira consulta a gente não esquece (PTC – Parte 2)

A primeira consulta a gente não esquece   (PTC – Parte 2)
Franciela Fernandes
mai. 2 - 5 min de leitura
020

Era uma consulta diferente, os pacientes eram atendidos em um mesmo espaço, um na frente do outro.  Só depois de muito tempo fui compreender a razão de ser assim.


Na sala de parto, em meio a tanta emoção, a pediatra que acompanhava o nascimento pergunta: ‘pai, vocês já sabiam sobre o pezinho, né?’. ‘Sim, já sabíamos’. Nosso filho era lindo, a nossa bolinha de gente acabava de chegar ao mundo, tão inocente,  indefeso, cheio de vida. O que representava seu pezinho torto? Nada, absolutamente nada. Nossa única e exclusiva preocupação era cuidar do nosso filho e levá-lo para casa.

Eu acho que o maior desafio dos pais de primeira, segunda, terceira ou quarta viagem é chegar em casa com o pacotinho de gente nos braços. É estranho, né? Dá medo, a ficha demora a cair, a gente leva dias para entender o que aconteceu desde o exato momento em que você seguiu para o hospital com seu filho na barriga. Mesmo que tenha lido e assistido aos milhares de canais no YouTube sobre maternidade, conversado com outras mães e feito pesquisa com a sua própria mãe, chegar com o seu recém-nascido em casa é a prova maior de que a vida pulou de estação para sempre, tomou uma direção sem volta. Dali para frente tudo muda, principalmente você.

Não foi diferente comigo, com a gente. Foi em casa que a ficha caiu e o medo bateu forte. Ver o pezinho torto do nosso filho era algo muito normal para nós, mas não para os poucos (bem poucos!) que nos visitaram.

Os dias foram intensos como qualquer família de um recém-nascido deve saber bem. Além dos cuidados normais, havia uma preocupação a mais e precisávamos correr contra o tempo, afinal, quanto mais cedo se inicia o tratamento de um PTC melhor. Nas primeiras semanas de vida os ossos e tecidos de ligação ainda são muito macios e maleáveis, o que torna o tratamento mais eficaz. 

Ainda durante o pré-natal, a médica que acompanhava minha gestação indicou o nome da ortopedista Monica Paschoal Nogueira e sua equipe. Tempos depois, passamos a considerá-los como verdadeiros anjos protetores dos PTC’s.

Chegando ao hospital, no setor de ortopedia, fomos recepcionados por um dos anjos da equipe da doutora Monica. ‘Vou colocar vocês junto de outras famílias de PTC, assim conversam, começam a participar de grupos que existem nas redes sociais e poderão conhecer vários casos’. Era tudo novo para nós. Estávamos apreensivos, desconfiados, inseguros.

Outro médico da equipe, antes de iniciar a consulta, nos perguntou se queríamos acompanhamento psicológico. Negamos. Não vimos necessidade, não naquele momento. Mas, hoje, após mais de um ano de tratamento, reavalio essa postura e indico para quem está iniciando o tratamento. Aceite ajuda.  

Era uma consulta diferente, os pacientes eram atendidos em um mesmo espaço, um na frente do outro.  Só depois de muito tempo fui compreender a razão de ser assim. A ideia é que as famílias se conheçam realmente, troquem experiências e aprendam uns com os outros.

Enquanto a médica avaliava o caso do meu filho, o coração apertava no peito. Naquele mesmo dia, na primeira consulta, seria colocado o primeiro gesso. Por mais que eu já soubesse como seria o tratamento, ver meu filho com um gesso, tão pequeno e indefeso, com apenas 15 dias de vida, doeu demais. Doeu profundamente.

O uso do gesso faz parte de um método relativamente recente no Brasil, o Ponseti. O tratamento  existe há cerca de 30 anos e inclui a manipulação do pé, por meio de gessos, para corrigir a má formação congênita.

Ali era o início do longo tratamento de PTC.

Costumo dizer que não houve tempo para sofrimento. Não houve tempo para o pós-parto, não houve tempo de reclamar de nada nem derramar lágrimas. Eu precisava cuidar do meu filho. Nós precisávamos. E foi o que fizemos.

Saímos do hospital, após a primeira consulta, com a perninha esquerda dele engessada, da virilha até a ponta dos dedos. As trocas seriam semanais e por 50 dias viveríamos a fase, que considero mais intensa, de idas e vindas ao hospital, convivendo com outras famílias, conhecendo tantos casos e ‘aceitando’ o maior aprendizado daquele momento: ‘Somos mais fortes do que imaginamos’.           

 


Denunciar publicação
    020

    Indicados para você