A Paralisia cerebral (PC) é o achado clínico mais incapacitante na infância. Envolvendo alterações no movimento e postura do corpo secundários a uma lesão do cérebro em desenvolvimento, pode ocorrer durante a gestação, ao nascimento ou no período neonatal.
Apesar de ser uma lesão irreversível, as crianças portadoras de PC podem levar uma vida rica e produtiva desde que recebam o tratamento clínico e cirúrgico adequados. Apesar da PC poder ocorrer como complicação de outras condições clínicas, é comum não se encontrar uma causa determinante para sua ocorrência.
Sintomas
A paralisia cerebral é a causa mais comum de espasticidade em crianças, uma desordem motora caracterizada pelo aumento dos reflexos e do tônus muscular velocidade dependente, ou seja, a velocidade com que o membro é esticado durante o exame neurológico. O diagnóstico diferencial é feito com outras formas de rigidez, como as causadas por contraturas (quando o músculo está contraído) e distonias (alterações do tônus).
Diagnósticos
A diferenciação entre a espasticidade e os outros tipos de movimentos anormais como as distonias e outras formas de rigidez é de fundamental importância no manuseio do paciente. Para isso, o paciente passa inicialmente por uma avaliação ortopédica e fisiátrica, no sentido de dimensionar o seu grau de comprometimento e propor a terapêutica mais adequada.
No exame clínico, os pacientes devem ser avaliados quanto ao tônus muscular, a fim de se confirmar a presença ou não da espasticidade, caracterizada pelo aumento da resistência à movimentação passiva. As ocorrências do sinal do canivete (braço dobrado com maior resistência no início do movimento de abertura), hiperreflexia (aumento do reflexo tendinoso) e clônus (movimentos repetidos após o estiramento muscular, por exemplo, da musculatura flexora dos pés) reforçam e confirmam a presença de espasticidade. É comum a presença de algum grau de limitação no arco de movimento articular (quando uma porção do corpo, como braços, pernas, quadril, não estica de forma plena) devido a contraturas musculares localizadas. Além disso, alguns pacientes com paralisia cerebral podem apresentar tônus normal durante o repouso ou movimentos passivos lentos, podendo haver, durante manobras rápidas, aumentos significativos na resistência ao movimento. O aumento de tônus muscular pode ocorrer ainda em situações de aumento de estímulos nocivos (quadros álgicos ou infecciosos) ou de maior tensão emocional do paciente, como durante consultas médicas.
A avaliação ortopédica é fundamental, incluindo além do exame clínico completo a avaliação radiológica da coluna e do quadril. Há regiões do corpo em que a diminuição do tônus muscular pode promover alterações funcionais na marcha e na postura (em pé, sentada ou deitada). Pacientes com idade maior tendem a apresentar maior grau de deformidades estruturais devido à influência prolongada da espasticidade sobre o sistema músculo-esquelético em crescimento.
A ressonância magnética do encéfalo é importante para dimensionar o grau de comprometimento do Sistema Nervoso Central. A presença da espasticidade, por si só, não constitui indicação de procedimento neurocirúrgico, devendo ser sempre considerado o potencial ganho das habilidades motoras após o procedimento. Os objetivos do paciente e da família devem sempre ser ouvidos e discutidos em vista das propostas terapêuticas oferecidas pela equipe médica.
Tratamento
Embora a espasticidade possa ser temporariamente reduzida em alguns pacientes, com técnicas de alongamento baseadas em talas, fisioterapia e bloqueios, muitas vezes uma diminuição permanente da espasticidade é desejável, a fim de se evitar alterações nos tecidos superficiais e profundos. A contração crônica leva ao encurtamento muscular e à diminuição da amplitude de movimento das articulações devido à lesão crônica.
Quando se considera a possibilidade da realização de procedimentos neurocirúrgicos para redução da espasticidade, torna-se importante a diferenciação dos pacientes em dois grandes grupos: os deambuladores (que conseguem andar) e os não deambuladores.
A indicação da rizotomia dorsal seletiva em pacientes não deambuladores é reservada àqueles com grau acentuado de espasticidade, de modo a dificultar o posicionamento, a higiene e a provocar fortes dores decorrentes de contraturas prolongadas, deformidades e luxações articulares. Em geral, estes pacientes são tetraparéticos e bastante dependentes de terceiros. O estado nutricional dos pacientes deve sempre ser lembrado no momento da indicação da cirurgia, pois geralmente estas crianças se apresentam com peso reduzido em decorrência da hiperatividade muscular provocada pela espasticidade mantida. Pacientes com peso inferior a 15Kg e pneumonias ou outras infecções de repetição devem ser avaliados quanto a possibilidade de gastrostomia previamente à cirurgia neurológica. A gastrostomia é uma opção para se melhorar as condições clínicas e nutricionais pré-operatórias além de reduzir o risco de complicações pós-operatórias relacionadas à aspiração pulmonar de conteúdo gástrico. Pacientes com hidrocefalia derivados precisam ser avaliados quanto ao funcionamento da válvula a fim de se excluir o mal funcionamento da Derivação Ventrículo Peritoneal (DVP) como uma das possibilidades de piora da espasticidade.
Quanto aos pacientes deambuladores, a indicação do tratamento da espasticidade com a técnica de rizotomia dorsal seletiva das raízes lombares deve ser feita com base em critérios, alguns já descritos acima. Nestes pacientes, a preservação da função da marcha é pré-requisito absoluto na discussão do tratamento da espasticidade. Um dos objetivos principais da realização desta cirurgia consiste na melhora do padrão da marcha prejudicada pela espasticidade. Logo, nestes pacientes é fundamental a análise clínica do padrão de marcha, cujo estudo detalhado pode ser feito em laboratórios de análise de marcha, assistido por profissional especializado. A análise da marcha em laboratórios especializados tem a vantagem de possibilitar documentação adequada do padrão da marcha antes da cirurgia, através de filmagens, entre outros procedimentos, o que permite a melhor análise dos objetivos do tratamento ortopédico e fisiátrico após a cirurgia.
Os pré-requisitos que os pacientes devem apresentar para se ter um bom resultado pós-operatório são: boa força muscular voluntária antigravitacional dos membros inferiores e tronco, bom equilíbrio de tronco e postura aceitável do corpo quando em posição ereta, bom comando muscular, boa coordenação dos movimentos, poucas contraturas e deformidades permanentes em membros ou troncos e nível cognitivo adequado.
A realização de movimentos de reciprocidade como a troca de passos, bem como a agilidade que o paciente tem ao se movimentar são fatores importantes a serem considerados na indicação da rizotomia dorsal seletiva.
A motivação e a capacidade cognitiva para a cooperação nas terapias de reabilitação são fatores relevantes na discussão do tratamento destes pacientes, do mesmo modo que a disponibilidade do paciente de participar de um esquema rigoroso de reabilitação exigida no período pós-operatório.
No caso de dúvidas se o paciente apresenta força muscular adequada ou não, recomenda-se um período pré-operatório de fisioterapia intensiva, visando o ganho de força muscular voluntária. A análise da evolução do paciente neste período fornece informações de grande valor quanto ao potencial de melhora após a redução da espasticidade.
A recorrência da espasticidade após procedimentos ortopédicos não constitui contra-indicação para a realização da rizotomia dorsal, devendo-se no entanto esperar por um período maior de 1 ano, a fim de se permitir a recuperação da força muscular.
Existem algumas situações associadas à paralisia cerebral que constituem contra-indicações relativas à indicação de rizotomia dorsal. Estas condições incluem pacientes com história de meningite, infecções encefálicas congênitas e doenças familiares. Além disso, escoliose acentuada, atetose, ataxia podem ser contra-indicações para a realização de rizotomia dorsal em alguns pacientes.
Pacientes deambuladores submetidos à rizotomia dorsal parcial geralmente evoluem com melhora do padrão de marcha, sendo menos comum a necessidade de procedimentos ortopédicos adjuvantes. Por outro lado, pacientes que andam com auxílio de andadores ou muletas, apesar da melhora no padrão de marcha e diminuição na progressão de deformidades dos membros inferiores, serão prováveis candidatos a cirurgias ortopédicas como forma de complementação do tratamento.
Em resumo, o candidato ideal para a rizotomia dorsal parcial (seletiva ou não) é aquele com grau significativo de espasticidade, bom nível cognitivo, bom equilíbrio de tronco, boa força antigravitacional e boa seletividade muscular, na ausência de distonias. Em outras palavras, é aquele paciente em que a dificuldade da marcha é ocasionada basicamente pela espasticidade grave e não por outros pré-requisitos para uma marcha adequada.
É importante que a família do paciente compreenda os potenciais benefícios da proposta cirúrgica, além dos eventuais riscos inerentes de qualquer cirurgia. Os familiares devem estar cientes de que o objetivo da cirurgia consiste na diminuição da espasticidade dos membros inferiores e não na correção de deformidades, nem na melhora da força muscular voluntária ou do equilíbrio. Crianças não deambuladoras com espasticidade grave não necessariamente passarão a deambular, pois o prognóstico de marcha não depende somente do grau de espasticidade. Em comparação com o estado prévio à cirurgia possivelmente a criança estará em melhores condições para o aproveitamento das terapias e para o desenvolvimento da marcha. Crianças que deambulam com aparelhos não necessariamente deixarão de usá-los, apesar de ser esperado algum grau de melhora no padrão da marcha. Por fim os pais devem ser sempre informados das complicações relacionadas a qualquer procedimento cirúrgico, além das relacionadas especificamente ao procedimento.
Fonte:
https://www.hospitalinfantilsabara.org.br/sintomas-doencas-tratamentos/paralisia-cerebral/