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Autismo e distúrbios do sono

Autismo e distúrbios do sono
Paulo Noronha Liberalesso
jan. 9 - 6 min de leitura
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Olá, pessoal!

Meu nome é Paulo Liberalesso, sou neuropediatra, mestre em Neurociências, doutor em Distúrbios da Comunicação e diretor-técnico do CERENA.

Até o final do século XIX e o início do século XX, não tínhamos, praticamente, nenhuma noção de como o cérebro humano funcionava durante o sono. Naquela época, os pesquisadores acreditavam que o sangue desviado para o estômago e os intestinos durante o dia (“para metabolizar os alimentos ingeridos”) levaria a uma redução do sangue no cérebro e, consequentemente, ao sono durante a noite.

Outros pesquisadores acreditavam, ainda, que durante o passar do dia nosso corpo produziria toxinas que levariam a uma fadiga física e mental que provocariam o sono noturno e, que durante a noite, essas toxinas produzidas seriam eliminadas para que o indivíduo pudesse despertar novamente na manhã seguinte. 

Foi somente em 1902 que o psiquiatra alemão Hans Berger iniciou seus trabalhos com o registro da atividade elétrica cerebral em cães e pudemos, então, compreender que o cérebro apresenta uma atividade elétrica totalmente distinta quando estamos acordados e quando estamos dormindo. 

Atualmente, nós sabemos que o sono depende de um intrincado e complexo mecanismo, que envolve muitas estruturas encefálicas e muitos neurotransmissores. Sabemos, também, que a privação de sono (dormir pouco ou menos que o necessário) tem efeitos graves sobre o funcionamento cerebral, hormonal e sobre o comportamento humano.

Sabidamente, pessoas com autismo tem risco muito maior para desenvolverem problemas relacionados ao sono, sendo as queixas mais frequentes a “dificuldade para iniciar o sono”, o “sono agitado” e os “despertares noturnos recorrentes”.
Há também uma relação direta entre a gravidade do autismo e a severidade do distúrbio de sono. Ou seja, quanto mais grave o Transtorno do Espectro Autista (TEA), mais intensos e frequentes são os problemas do sono.

Além disso, quando a criança no TEA apresenta outras comorbidades neuropsiquiátricas, como o transtorno do déficit de atenção (TDAH) e hiperatividade, comportamento impulsivo, transtorno de ansiedade, de conduta ou transtorno opositor desafiante, o risco de distúrbios de sono também é maior.

Mas por que exatamente crianças com autismo têm dificuldades relacionadas ao sono? Nós não sabemos a resposta exata, mas provavelmente essas crianças são incapazes de fazer uma adequada “leitura social” dos estímulos discriminativos que mostrariam ao indivíduo que está chegando a hora de dormir.

Embora os ritmos circadianos do corpo e os ciclos claro/escuro sejam, aparentemente, preservados no TEA, se você é incapaz de perceber determinadas características ambientais que sugerem a hora de dormir, provavelmente seu cérebro terá muita dificuldade para desencadear os processos naturais que induzem ao sono.

Outro aspecto também importante é que muitas crianças no TEA são muito mais sensíveis a estímulos ambientais como os ruídos, odores e estímulos visuais, o que poderia manter o cérebro em um estado permanente de excitabilidade, dificultando o início e a manutenção do sono. Há crianças no TEA que são absurdamente sensíveis ao toque (tato), de modo que mesmo o simples contato com o lençol ou uma coberta podem dificultar o sono.

Por fim, eu gostaria de dar algumas dicas para melhorar a qualidade de sono que podem ser adotadas para qualquer criança:

1. Evite brincadeiras que estimulem demasiadamente o cérebro das crianças pelo menos nas duas horas que antecedem o sono como, por exemplo, exposição à televisão, músicas estimulantes e brincadeiras fisicamente intensas. Lembrem-se de que “cansar fisicamente, de forma exagerada, a criança” não melhorará sua qualidade de sono. Pelo contrário, a exaustão física pode provocar despertares noturnos mais frequentes.

2. Estabeleça uma rotina que anteceda o sono. Por exemplo: tomar banho, colocar o pijama, tomar um copo de leite, escovar os dentes e se deitar para dormir. Isso gera no cérebro da criança estímulos discriminativos que ajudam, gradativamente, a perceber que o momento de dormir está chegando.

3. Estabeleça um horário para dar início à rotina do sono e um horário para que a criança realmente esteja na cama para dormir. Tente manter esse horário de forma rotineira todos os dias. Isso ajuda muito a evitar a insônia e a ansiedade no momento de ir para a cama.

4. Não utilize métodos para induzir ao sono, como embalar a criança no colo, dar tapinhas nas costas, massagear o corpo porque essas coisas podem gerar um mecanismo cerebral que associa esses atos motores ao ato de dormir. Desse modo, a criança sempre necessitará destes estímulos para dar início ao sono.

5. Lembrem-se de que muitas pessoas sentem-se desconfortáveis para dormir na completa escuridão. Evidentemente, o quarto deve estar com as luzes apagadas (e com a televisão desligada!), pois a claridade impede a produção natural da melatonina. Mas, se seu filho preferir, permita uma iluminação de baixa intensidade no quarto.

6. A temperatura do ambiente deve ser sempre confortável, pois locais excessivamente quentes ou frios podem dificultar os fenômenos cerebrais que desencadeiam e mantêm o sono noturno.

7. A utilização de medicamentos indutores de sono SEMPRE será a nossa última opção. Medicamentos sedativos, obviamente, fazem com que a criança durma uma grande parte da noite, mas podem (e geralmente deixam) um certo efeito residual no dia seguinte. E, claro, uma criança com qualquer nível de sedação ou sonolência diurna tenderá a ter um desenvolvimento neurológico e pedagógico mais lento que as demais crianças.


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